III. "Give me wings to fly, ride the sky", Helloween



Completar-se-ão, no início do ano que chega dentro de dias, seis invernos desde que me meti, pela primeira vez, numa aventura internacional com a chancela do Heavy Metal bem cravada. Por isso mesmo, a tour que uniu gigantes do power metal alemão, como são Helloween e Gamma Ray, carimba uma página de extraordinária relevância na minha vida que, naturalmente, guardo com particular nostalgia, estima, mas essencialmente um tremendo orgulho. Corria o mês de Dezembro de 2007 quando dei conta que, daí a pouco, os dois monstros já citados iriam tocar em Madrid, numa data na qual já alguns amigos haviam confirmado presença. Não hesitei em trocar impressões com eles e informar-me sobre as viagens e bilhete para o evento e, daí até ter as passagens da Vueling e a reserva da entrada no La Riviera, foi um passo dado a alta velocidade pois o tempo afunilava-se. Só depois de pagar tudo o que tinha a pagar, é que perguntei cá em casa se podia ir a um concerto em Madrid, embora já tivesse tratado de tudo para abreviar caminho. Jamais imaginaria perder duas das minhas bandas de eleição, na altura, após meter na cabeça que ia, mesmo com a infecção respiratória que me atormentava e que, de modo algum, aconselhava a estas coisas. Era a primeira vez que me metia numa destas. Madrid abriria um precedente. Tratava-se de elevar o nível, alcançar um novo patamar na relação com a música. Ir a concertos no estrangeiro, ou pelo menos fora da grande Lisboa, seria uma droga da qual não mais me livraria. Hoje, o local é um pormenor. Não é por ser distante que deixo de ir, no máximo será pela falta de interesse. É por isto que a importância do dia 19 de Janeiro de 2008, está bem evidente naquilo em que me transformei seis anos depois.


Manhã de Sábado, aeroporto de Lisboa. Logo à entrada, lá estavam os restantes membros da comitiva. Honestamente, a esta distância temporal, não me recordo de quantos éramos exactmente. Três com certeza, provavelmente mais um. O Zé, mais conhecido por Rockhard, e o Ricardo, no meio metálico alcunhado por Rickmaiden. Deles lembro-me, até porque foram duas pessoas que me alargaram os horizontes naquela altura. Pessoas que, entre outras, me influenciaram e ajudaram trazer à minha vida o Heavy Metal de pendor mais tradicional, quando a matança do porco vivia no centro das minhas atenções. É verdade, mesmo Iron Maiden me passava um pouco ao lado, o meu chip estava programado com outras definições. Pouco tempo antes, e pouco depois de os ter conhecido no primeiro almoço da Irmandade Metálica, convenceram-me a ir a Kreator no Coliseu do Porto. Desafio aceite e mais um mítico nome acrescentado à caderneta, à data ainda muito despida. Dessa noite recordo como dávamos ao pescoço ao som da máquina germânica, enquanto os fãs de Moonspell (em maioria na sala) estranhavam haver cabeças a rolar em vez de andarmos a morder pescoços. Enfim, outras contas. Voltando ao aeroporto Sá Carneiro, de onde ainda não saí e o texto já vai longo, um ligeiro pequeno almoço e estava, rapidamente, dentro do avião da companhia espanhola. Eu e a minha t-shirt de Akercocke, que se referia a Satanás e coisas. Uma vez chegado a Madrid, ou por outra, ao aeroporto nos arredores da cidade, o metro era a forma de chegarmos ao centro. Aí, o almoço foi o mais simples e reles possível, num McDonalds. Em frente, a avenida era longa. E no fim, o La Riviera recebia já uma fila extensa a algumas horas do evento. Nessa medida, nada como ir passar o tempo a um bar, apesar da péssima cerveja a que se está sujeito em Espanha. Rodada daqui, rodada dali, até voltarmos para a fila onde encontrámos os Mindfeeder e mais alguns camaradas que seguiram por estrada, desde Lisboa, e ficariam para pernoitar. Aproveitámos o encontro para ficar mesmo ali e não no final da fila. Primeira impressão: uma palmeira gigante mesmo no meio da plateia? Wow! Compro o meu hoodie de Gamma Ray, estupidamente largo ao ponto de nunca o ter vestido (e bem caro), e aproximo-me do palco porque os Axxis aprontavam-se para dar início à faísca. Não os conhecia, mas agradaram-me. Não especialmente pelo concerto em si, mas pelo som praticado. Belos refrões, aquelas melodias tão power metal que ficam no ouvido. Soube, então, que eram também uma banda com carreira no género, ainda que numa divisão abaixo das parceiras de cartaz. Mas o que me interessava mais eram os senhores que se seguiam. Os Gamma Ray e a voz do Kai Hansen eram o motivo principal para esta súbita vontade de embarcar na aventura madridista. Dias antes, o mestre Kai tinha-se limitado à guitarra por não estar bem da voz, sendo substituído nesse campo pelo vocalista de Metalium. Felizmente, foi nesta data que ele voltou a pegar no leme. O que poderei dizer do concerto? Não muito. Foi absolutamente fantástico e dos três ou quatro que vi no total, sem dúvida alguma o melhor. Enquanto virava uma "saborosa" litrosa San Miguel, que custou dez euros ao Zé, admito que me emocionei, não me consigo lembrar o tema que me levou a esse estado, mas sei que sim. Talvez a "Real World", um dos temas que eu mais pedia ao menino Jesus para tocarem, do "Land of the Free II". Aquele refrão composto por azeite de altíssima qualidade!! Houve ainda oportunidade de ouvir a inacreditavelmente boa "Ride the Sky", dos tempos em que Kai Hansen liderava a banda que se seguia. Dos tempos em que eram realmente bons. Depois de uma espera relativamente longa, os Helloween tomaram conta das atenções. Não gosto do Andi Deris, ao vivo é um pesadelo ouvir temas como "Eagle Fly Free" na sua voz, assassinando completamente o que é maravilhoso na voz do Michael Kiske, mas tirando isso foi um concerto com o nível mínimo exigido. Vários momentos para encher chouriços, alargaram um pouco mais uma actuação que saía beneficiada se fosse apenas musical, sem teatros com duendes. Sabendo que, no final, os Gamma Ray voltariam ao palco para interpretarem juntamente com Helloween "I Want Out" e "Future World", o público chegou-se à frente e gritou pela actual banda de Kai Hansen, numa espécie de espanglês. Talvez estranho para a banda que estava a actuar, mas um sinal claro sobre quem foram os reis da noite. 


 Com o Heavy Metal a correr pelas veias, lá fora estava frio. Muito frio. E se à hora de almoço o metro nos tinha ligado entre o aeroporto e o centro da capital espanhola, à noite e sem meio de transporte só uma solução restava. Caminhar. Atravessar vias rápidas, subir e descer rebanceiras, com a Guardia Civil a passar por nós desconfiada, enfim, seguir caminho tentando acreditar que o aeroporto seria naquela direcção. Cansados, gelados e eu a deitar os pulmões pela boca, chegámos ao local e no chão eles fecharam os olhos quatro ou cinco horas. Não sem antes haver uma discussão épica sobre qual a melhor banda. Foi então que surgiu a tirada mais memorável de todo o dia, quando o Zé afirmou que "uma andorinha não faz a primavera", referindo-se a Kai Hansen, defendendo de forma acérrima Helloween. Mais ninguém concordava e a discussão prolongou-se na manhã seguinte em pleno avião. Eu não consegui dormir, cheguei a pensar que já não voltaria a Lisboa com vida, passe o exagero, tais as dificuldades respiratórias com que estava a lutar. Mas cheguei. Cheguei, tratei-me e consegui tudo. Continuar a viver e seis anos depois contar esta história que muitas marcas deixou. Obrigado Metal, obrigado espírito único!