IV. "Tu és o nosso Rei, Eusébio"


Hoje, 20 de Janeiro de 2014, percebi o porquê de todos, até à data, terem poucas palavras para descrever o Museu Cosme Damião e o que ele suscita. É que se depois da minha visita de quase três horas me pedissem um comentário, eu não saberia o que dizer. Ou talvez soubesse, mas seria poupado nas palavras porque a injeção de história quer de Portugal, quer de Lisboa, e acima de tudo a história do Sport Lisboa e Benfica que ali recebemos, é tão grandiosa que as palavras se afogam, ainda que esperneando, em mares incontroláveis de emoções espontâneas. Sim, hoje emocionei-me no Museu Cosme Damião. No fundo, perguntei-me porque é que me lembro de mim já a amar o vermelho e branco? Não sei ao certo de quando me lembro de mim mesmo pela primeira vez, provavelmente tinha uns cinco anos, mas já era louco desta cabeça. Hoje, mais do que nunca, talvez tenha encontrado a resposta correcta à minha dúvida: "ser Benfiquista é a coisa mais natural do mundo".


Há muito que se exigia uma visita a este espaço, concretamente desde o dia 29 de Julho de 2013, dia em que as portas se abriram ao público. Por isto ou aquilo, apenas hoje visitei o edifício na imponência dos seus três pisos. Três pisos que vão para lá do clube, para lá da cidade, para lá do país. O mundo e o que lhe aconteceu até ser aquilo que é hoje, é lembrado em muitos dos seus momentos mais marcantes. E o Sport Lisboa e Benfica é, claro, um dos grandes acontecimentos da vida do mundo. Hoje emocionei-me. Emocionei-me quando, já depois de ter visto milhares de troféus de 1001 modalidades, de ter lido "n" curiosidades que desconhecia, de ter visto a camisola rasgada que o Fehér vestia quando cedeu em pleno relvado de Guimarães, cheguei à área temática (num total de vinte e nove) sobre Eusébio da Silva Ferreira. Um holograma do "Rei" a falar sobre si, sobre o seu benfiquismo, com imagens e testemunhos de outras glórias nacionais e internacionais, apertou comigo e engoli em seco. E não aconteceu só comigo. É demasiado real. Uma obra e ideia fascinantes. 


O Museu Cosme Damião olhando para o futuro, retrata e recorda, como museu que é, o passado mais ou menos longínquo. E falar em passado do Sport Lisboa e Benfica é falar de Eusébio. O Pantera Negra não jogava sozinho, ninguém joga, mas ainda que precisem que o resto da orquestra funcione, a verdade é que é aquela "meia-dúzia" que marca a história e catapulta os respectivos clubes para outra dimensão. E se o Benfica é, hoje, um dos grandes clubes da história do desporto, muito deve ao miúdo tímido e humilde que em 1960 chegou a Lisboa, vindo de Moçambique, e vestiu anos a fio de águia ao peito, tratando por "senhor" todos os que eram mais velhos e pedindo permissão para marcar um simples livre, como aconteceu na final de 1962, quando nos sagrámos bi-campeões europeus. Naturalmente, deu golo. Eu nunca vi Eusébio jogar. Mas se eu cresci a ser deste clube, a vive-lo intensamente, a gritar golo a plenos pulmões e a dar pontapés em tudo em cada derrota, devo-o a quem fez do Benfica aquilo que é. Devo-o, entre muitos outros, a ele. 


Mas ninguém é eterno. Pelo menos em vida. O dia 5 de Janeiro de 2014, acordou com a notícia da morte do nosso ídolo, da maior figura da nossa história, a poucos dias de completar 72 anos. A sua saúde há muito que preocupava, inclusivamente o holograma mostra uma pessoa que já se cansava enquanto falava. A onda de solidariedade e tristeza alastrou-se rapidamente e a estátua do Rei nas imediações do Estádio da Luz, já não aquele onde Eusébio tanto brilhou, encheu-se de acessórios de centenas e centenas de pessoas que lá foram deixar uma recordação. Miúdos choravam. Miúdos que, tal como eu, nunca o viram dar um chuto numa bola ao vivo (sem ser na Eusébio Cup), mas que sabiam e sentiam perfeitamente aquilo que estava a acontecer. Estavam a ver partir um ídolo do clube que gostam, que os faz sorrir e bater mal da cabeça todos os dias. Um ídolo que fez coisas brilhantes de camisola encarnada e calções brancos, que lutou, que deixou a pele em campo para elevar o nome do Benfica mais alto. A emoção chegou verdadeiramente à Luz quando o corpo chegou também. Até ao dia seguinte, altura em que o seu desejo de dar uma ultima volta ao relvado foi cumprido, milhares de pessoas deslocaram-se à porta 1 para olhar uma última vez o seu rosto. Mas o momento mais emocionante das cerimónias foi mesmo a volta ao estádio, perante largos milhares de Benfiquistas a endereçarem um último adeus. O hino do Benfica soou e os cachecóis ergueram-se debaixo de chuva, com a urna no centro do relvado. Também uma das canções preferidas do King, "Con Te Partiro" de Andrea Bocelli, se fez ouvir elevando dramaticamente os níveis de ansiedade e a falta de controlo emocional. Foi inevitável. Foi o momento mais complicado de digerir. "Tu és o nosso rei, Eusébio. Descansa eternamente" ouvia-se em permanência em cada uma das vozes.


Chuva. Muita chuva a partir daqui. Em dia de reis, o cemitério do Lumiar foi pequeno para tantos que queriam despedir-se uma última vez do nosso. Até o céu ajudou a criar maior carga dramática ao funeral. A família, Jorge Jesus, Rui Costa, Cardozo, Luisão e largas centenas de anónimos, ou figuras conhecidas de outros quadrantes, tinham litros e litros de água a pesar nas roupas. Muita confusão, talvez em demasia para a família que preferia cerimónias mais calmas, em maior silêncio, mas para Eusébio tinha de ser assim e ele, certamente, gostou de ver e sentir o nosso "obrigado" onde quer que esteja. Dias mais tarde, cumpriu-se um minuto em absoluto silêncio antes do jogo frente ao porto. E com o seu nome escrito em todas as camisolas, vencemos 2-0. Ele ficaria feliz, como qualquer um de nós ficou. Ele era um dos nossos, e no fundo continuará a ser. Simplesmente não o vemos. 


Obrigado por tudo. Tu foste, és e serás Benfica e dignificaste um clube que, um dia, Cosme Damião criou para ganhar, para ser o maior, para dar alegrias a milhões de pessoas. Aos de hoje, só pedimos o mesmo. Como diz o primeiro hino do clube, "E vós oh rapazes com fogo sagrado, honrai agora os Ases que nos honraram o passado". Ases como Eusébio ou Cosme Damião. Até sempre, campeões!