II. "Generals gathered in their masses", Black Sabbath


O Heavy Metal, o Benfica, a viagem de finalistas ou o simples gosto pelo turismo, já me levaram a vários lugares distantes; musicalmente, que é o que interessa aqui, vi Gamma Ray e Helloween em Madrid, fui duas vezes a Wacken (2009 e 2010), outras duas ao Hellfest (2012 e 2013), festivais que me ofereceram nomes também eles lendários e que não mais voltarei a ver. Mas, apesar das 1001 bandas já vistas nos quatro cantos de Portugal, em Espanha, França, Alemanha, etc, ver Black Sabbath é entrar numa dimensão diferente, é adicionar um cromo sem preço à caderneta que qualquer amante do som sagrado guarda com todo o cuidado. Os monstros Ozzy, Iommi e companhia já não vão para novos, nem a sua saúde é de confiar, e as oportunidades para os vermos são autênticas coca-colas no deserto, como tal, após vários amigos terem falado no tema, decidi tratar de tudo sem pensar muito no que restava da vida.


Dia 1 de Dezembro de 2013, pela manhã, arranquei rumo a Paris com o Pedro. Noutros voos, tinham seguido mais cedo o Daniel e o Marc. O Filipe, a viver nos arredores da capital, esperava por nós e oferecia uma cama e chão em sua casa, poupando-nos alguns trocos. Após o primeiro contacto com a realidade parisiense, com visitas a Notre Dame e ao Louvre, à noite tratámos de nos embebedar com Jagerbombs, dar uns toques no snooker e pagar uma conta de 300 euros. E ainda conhecemos um norueguês que afirmava não gostar de nórdicas. Mas não interessava, estávamos ali para curtir como se não houvesse dia seguinte. Bem, convinha haver dia seguinte...pois era por aquela Segunda-feira que tínhamos viajado. O Filipe, o Marc e o Daniel foram para as filas, em Bercy, ao meio dia, enquanto que eu e o Pedro aproveitámos para dar uma volta pela cidade e pôr a máquina fotográfica a funcionar, quais turistas chineses (sem as "selfies"). A parte em que temos 200 fotos iguais da Torre Eiffel, o Sena, a Avenida dos Inválidos, a procura condenada ao insucesso por um restaurante, os Campos Elísios, o Arco do Triunfo, tantos pormenores e curiosidades. Paris é uma cidade encantadora, com gente bela, com uma mãe e uma filha especiais, e um fresco que se entranhava nos ossos e nos fazia gritar "c*ralho, isto é que é metal!", excepto na pausa para o chocolate quente. 
 

Mas era para vermos história que ali estávamos. A enorme rede de Metro levou-nos a Bercy e dirigimo-nos para a extensa e assustadora fila que nos transportaria até à porta 27. Felizmente, era mais fogo de vista e rapidamente entrámos no pavilhão, com o palco logo ali diante de nós, onde dentro em pouco estariam os Black Sabbath a tocarem duas horas de hinos, perante um público francês que foge ao fraco. Gostam é de saltar e andar agarradinhos como Marias Amélias. Cantar e abanar a cabeça é o menos possível - "ai a minha garganta, ai o meu pescoço, vou-me agarrar ao François que isso é que é metal!". Bom, os Uncle Acid and the Deadbeats abriram a noite. Já os tinha visto e fiquei com a mesma ideia, o som deles ouve-se bem até metade do concerto. Depois já só queremos que venha o próximo. E eis que a cortina se levanta com início de "War Pigs", levando a uma loucura controlada de um pavilhão que parecia estar a assistir a uma peça de teatro. Nas bancadas, nem se levantaram durante um concerto que foi soberbo, inesquecível. Altamente profissional, quase irrepreensível, com o Ozzy fresco que nem uma alface, a "correr" e a bater palmas, o Iommi e o Geezer a espalharem classe e Tommy Clufetos (que quando nasceu já eles tinham oito discos editados!) a tratar a bateria por tu, e a fazer um solo fabuloso como que a afirmar-se no meio de três ícones, substituindo na tour o Bill Ward. As duas loiraças que encontraram abrigo junto de nós, os versos cantados a plenos pulmões, as guitarradas a serem simuladas nas nossas mãos vazias, enfim, uma energia quase indescritível. À saída encontrámos o Satan e o Quim, camaradas destas lides que haviam chegado nesse dia e partiriam pela manhã. Demorou até percebermos bem o que tinha acontecido e a sua importância. Voltámos para casa num estado meio catatónico, onde as palavras se atropelavam numa festa psicodélica de euforia e cansaço. Lentamente, lá fomos trocando impressões, enquanto o Daniel nos definia como "lendas vivas".


O dia seguinte significou o adeus. O Marc saiu pela alvorada, eu e o Pedro despedimo-nos do Daniel no comboio. Ele iria ao cemitério antes de seguir para Orly, e nós teríamos ainda algumas horas para visitas finais antes de rumarmos a Charles de Gaulle. A incontornável Torre Eiffel, do alto dos seus 300 metros, e as catacumbas marcaram esse dia. Com muitos km's nas pernas, os ares exaustos estavam bem patentes nos nossos rostos, mas a alegria de ter visto algo tão único ninguém nos poderia tirar. E perto de mil fotografias documentaram isso mesmo. O voo da Easyjet foi calmíssimo e daria para descansar a vista se, justamente na fila da frente, não fosse um Ser irritante. Curiosamente, Black Sabbath foram anunciados para o próximo Hellfest, onde também contamos estar. Se podemos ver estes dinossauros duas vezes, porque haveremos de ver apenas uma? Uma coisa é certa, Paris foi Paris! Para finalizar, um eterno obrigado ao Filipe e à Marie por nos terem acolhido no seu lar e nos darem o pequeno almoço, cobrando apenas o nosso bom comportamento! Meus senhores, que página adicionámos nós ao livro das nossas vidas, que página!



Setlist:

War Pigs
Into the Void
Under the Sun/Every day Comes and Goes
Snowblind
Age of Reason
Black Sabbath
Behind the Wall of Sleep
NIB
End of the Beginning
Fairies Wear Boots
Rat Salad
Iron Man
God is Dead?
Dirty Woman
Children of the Grave
Paranoid